"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Jacob Gorender e a defesa de um socialismo não dogmatico e não utópico



O historiador marxista Jacob Gorender escreveu o livro "Marxismo sem utopia", onde busca corrigir os erros existentes no pensamento marxista, em grande parte resultado de uma ruptura incompleta de Marx e Engels com o utopismo. E concordo plenamente com Jacob Gorender, que nesse livro afirma que o socialismo jamais realizará a fase final do estágio evolutivo proposto por Marx e Engels, pois esse não passa de uma reprodução humanista da utopia judaico-cristã do Reino de Deus. E mais, é extremamente utópico acreditar na dissolução do Estado, mesmo em uma sociedade sem classes.

A minha posição é contrária ao dogmatismo, que infelizmente fez do marxismo, um tipo de religião secular, onde criticas a Marx, Engels e até mesmo a Lênin, são vistos como "heresia". Sou marxista sim, mas assim como Gorender, nem um pouco dogmatico.

Cito abaixo o próprio Jacob Gorender:

"Fui educado na idéia de que o Estado vai desaparecendo, não imediatamente como propunham os anarquistas, mas paulatinamente, após a tomada do poder pelo proletariado. Essa tese sempre foi para mim o que hoje chamam de "cláusulas pétreas", no caso da nossa Constituição. Mas a minha constatação é que em todas as sociedades em que houve uma revolução dita socialista, o Estado se fortaleceu tremendamente.

Nem Marx nem Engels escreveram que o desaparecimento do Estado significa o desaparecimento de qualquer administração central. Eles repetem a célebre tese de Saint-Simon, de que o governo dos homens será substituído pela administração das coisas. Sem dúvida, muita coisa que é hoje política - porque temos o governo dos homens - deixará de ser, porque se tornará meramente tecno-administrativa. Não serão eliminadas as funções técnicas e administrativas do Estado atual, mas só aquelas que dizem respeito à opressão política e social, à luta de classes.

Mas há outras questões novas e muito importantes no quadro atual, ignoradas por Marx e seus seguidores. Uma é a diferença de gerações. Hoje se vive em média 30 ou 40 anos mais do que na época de Marx e Engels, o que aumenta a diferença entre gerações. Há o problema dos idosos: o aparelho social, previdenciário e médico-sanitário não acompanhou o aumento na expectativa de vida. Temos, então, interesses diferenciados de gerações. Não se trata somente de uma questão administrativa. Ela envolve opções políticas. Temos também a ecologia: o que produzir, para quem produzir, em que medida. Novamente temos questões que exigem definição de prioridades. Isto significa política e conflitos. Não de classe, mas opções políticas. A própria idéia de que as forças produtivas não podem conhecer um desenvolvimento indefinido limita os recursos para resolver certas demandas. Marx só concebia um limite para as forças produtivas: o das relações de produção obsoletas. Uma vez eliminado este empecilho, as forças produtivas se desenvolveriam sem limites. Mas hoje sabemos que há limites ecológicos, recursos escassos, necessidade de preservar o meio ambiente etc. Esses fatos me levam à conclusão de que não há como se propor extinguir o Estado e as funções políticas.

Engels tem duas explicações sobre a origem do Estado: uma, segundo a qual o Estado surgiu para satisfazer certas funções e outra que surgiu da luta de classes. Se considerarmos válida a primeira explicação, pode-se conceber que certas funções serão permanentes e precisarão de um Estado político, o que soa como redundância. Daí eu afirmar que a extinção do Estado é uma tese anarquista, que Marx e Engels receberam e incorporaram a sua doutrina, ressalvando apenas que a extinção não poderia ser imediata, que teria de ser paulatina. Mas tal herança anarquista deve ser eliminada.

A mesma coisa com a famosa divisão do socialismo em duas etapas. Proponho que só deva existir aquilo que Marx chama a primeira etapa. A segunda etapa antevê um paraíso judaico-cristão. Não podemos pensar seriamente em uma sociedade em que todas as necessidades são sempre satisfeitas. Esta é uma concepção estática das necessidades. E sabemos que, dadas as limitações dos recursos acessíveis, certas necessidades não poderão ser satisfeitas para todos. Alguns poderão ter atendidas suas novas necessidades e outros precisarão esperar, porque haverá escassez."

Fonte: Revista Teoria e Debate nº 43

Nenhum comentário:

Postar um comentário