"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Não estamos condenados ao capitalismo perpétuo

Não estamos condenados ao capitalismo perpétuo

Leandro Konder

O que há de mais dramático na história é o fato de que tudo que aconteceu no passado poderia ter acontecido de maneira um pouco diferente. Dessa constatação, devemos extrair a conseqüência: tudo que está acontecendo hoje poderia estar acontecendo de maneira um pouco diferente.

Antigamente (lá pelo final do século 19), alguns autores marxistas, preocupados em defender a inteligibilidade da história, recusando-se ─ com razão ─ a entregá-la ao império do acaso, sustentaram uma versão determinista do materialismo histórico. Convenceram-se de que, no movimento da história, tudo fazia sentido porque tudo correspondia a causas objetivamente necessárias.

Essa concepção determinista ajudava os socialistas a suportar a repressão, a superar o desânimo causado pelas derrotas. Pensavam eles: estamos aqui, sendo presos, torturados, porém, de fato, estamos na crista da onda constituída pela classe operária, que nos apóia e que necessariamente vai nos levar à vitória.

Esse pensamento tinha um grave inconveniente: na medida em que a onda proletária supostamente os impulsionava, os socialistas não eram suficientemente desafiados a tomar iniciativas, a assumir riscos, a ser criativos. Suportavam os maus momentos, mas não criavam os bons momentos na freqüência desejada.

Diversos autores combateram o determinismo no campo da história política e cultural. Antonio Gramsci, Georg Lukács, Walter Benjamin, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Jean Paul Sartre contribuiram decisivamente para esse combate.

Na Alemanha, impõe-se a recordação da advertência de Rosa Luxemburgo: “Podemos ir para o socialismo, porém também podemos escorregar para a barbárie”. No Brasil, não podemos deixar de lembrar, com orgulho, a rica obra crítica de Antonio Candido.

A partir de determinado período, na segunda metade do século 20, o determinismo foi se deslocando da esquerda para a direita. Até chegar à figura de Margareth Thatcher, que foi primeira-ministra da Inglaterra e era chamada de Dama de Ferro.

Depois de aprofundados estudos, que lhe tomaram cerca de 10 minutos por semana, a Dama de Ferro chegou à conclusão de que os fatos e os dados estavam mostrando com clareza que não havia alternativa para o capitalismo.

O movimento inexorável da história, afinal, tinha conduzido a humanidade a seu destino natural, a sua meta definitiva. Não havia do que reclamar. “There is no alternative (não há alternativa), repetia Thatcher. A frase foi dita por ela tantas vezes que acabou sendo transformada numa fórmula condensada, num apelido composto a partir das letras iniciais de cada uma das quatro palavras: de there is no alternative surgiu TINA.

A política, contudo, é um campo de batalha cruel. Ninguém pode proteger os detentores do poder e os detentores da riqueza contra o desgaste que a história lhes impõe. A erosão não respeita ninguém: nem professores universitários, eruditos, nem torneiros mecânicos escassamente familiarizados com a norma culta do idioma português. Os detentores do poder e da riqueza, mesmo solidamente instalados na direção da sociedade, pedem constantemente a seus ideólogos que lhe dêem apoio teórico.

Recorrem sobretudo aos economistas. E os economistas produzem prontamente uma rica oferta para essa demanda. De Delfim Neto ao engraçado George Vidor, passando por Miriam Leitão, os economistas vão elaborando esquemas explicativos que tendem a anular a esfera das iniciativas político-econômicas mais ousadas, apresentando a submissão de tudo e de todos ao mercado como conseqüência de um processo histórico fatal, inexorável.

É a volta do determinismo. Dessa vez, ele não assegura o avanço do proletariado, não garante aos revolucionários que eles estão na crista da onda, que nada poderá detê-los. Dessa vez, o determinismo ─ globalizado ─ apregoa, nos quatro cantos da terra, que a única sabedoria possível no mundo atual é resignar-se à vida pautada pela vitória do capitalismo.

Se observarmos a situação de um ponto de vista crítico, entretanto, o quadro não nos parecerá tão idílico. Em meados do século 19, Marx fez críticas contundentes ao capitalismo. Afirmou que o mercado, transformado em centro da sociedade, danifica seriamente os valores qualitativos dos seres humanos (reduzindo-os ao dinheiro). Sustentou que a exploração do trabalho pelo capital, nas condições de privilégio da propriedade privada, constitui o fenômeno da mais-valia, incompatível com a remuneração justa. Diagnosticou no capitalismo uma contradição grave entre o caráter social da produção e o caráter individual da apropriação. Marx constatou, também, que, nas condições de hipercompetição, as pessoas não conseguem superar as distorções ideológicas e desperdiçam criatividade (são alienadas).

Em sua história atual (essa mesma que o determinismo se esforça para negar), o capitalismo não resolveu nenhum dos problemas apontados por Marx. De onde seus propagandistas extraem tanta empáfia?


Leandro Konder é filósofo


Fonte: Publicado no caderno Idéias & Livros do Jornal do Brasil de 19 de maio de 2007.

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