"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

SOCIALISMO COM LIBERDADE E DEMOCRACIA


O filósofo e revolucionário alemão Karl Marx, afirmava que “a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado”. Mas o que significa ditadura do proletariado? Será um regime totalitario e burocratico, como existia na antiga URSS e no Leste Europeu?

A resposta é NÃO! Vejamos o que diz o historiador marxista Jacob Gorender:

"Marx dá novo sentido à palavra ditadura, ao falar em ditadura de classe. Originalmente, o termo ditadura vem da antiga Roma, designando um governo necessariamente provisório, admitido em situações conflitivas, convulsivas, que deveria pôr ordem na vida pública, mas por um prazo determinado, retirando-se em seguida. O termo foi adotado na literatura política, com esta acepção de transitoriedade, até Marx. Para Marx, ditadura de classe será sinônimo de dominação de classe, designando uma situação duradoura.

Por que a classe dominante exerce dominação de maneira discricionária, como uma ditadura? Porque ela faz o que lhe interessa e para isso não há limite real na lei. As leis obedecem aos interesses da classe dominante e se violam também no interesse da classe dominante. Mas a ditadura, por sua vez, pode ser exercida sob diferentes formas políticas. No caso da burguesia, tanto se exerce sob a forma de um regime plenamente discricionário, como através da república democrática, através de governos representativos e que, na linguagem usual, seriam aparentemente o oposto da ditadura.

Em virtude de semelhante ambigüidade, o termo ditadura dá origem a numerosas confusões. O fato de, na linguagem mais usual, nós só o empregarmos como expressivo de governos discricionários, não nos permite compreender que, na terminologia de Marx, ele tem sentido de discricionário para a dominação burguesa geral, não se restringindo à forma que esta assume nos governos autoritários. A ditadura de classe pode se apresentar também sob a forma de governos parlamentares representativos e constitucionais, obedientes à legalidade."

(Jacob Gorender; em Coerção e Consenso)

 

Para Marx, a ditadura do proletariado é uma ditadura de classe, ou seja, é o Estado dirigido pela classe trabalhadora, a sociedade onde o proletariado se torna a classe dominante, estabelecendo a sua "ditadura" sobre a burguesia, e deve se apresentar sob a forma de governo representativo, garantindo a mais ampla liberdade para os trabalhadores.

E mais, essa ditadura do proletariado é temporária, pois eliminada a infra-estrutura e a superestrutura capitalista, com a completa socialização da propriedade dos meios de produção, distribuição e troca, as classes sociais desaparecerão, assim como a divisão do trabalho, tornando desnecessária a existência do Estado, que assim se dissolverá.

Karl Marx e Friedrich Engels nunca defenderam regime de partido único, foi Vladimir Lenin e seus "camaradas" do Partido Bolchevique que reinterpretaram a ditadura do proletariado como ditadura do partido do proletariado, o que originou o regime de partido único após a vitória da Revolução Russa de Outubro de 1917, que serviu de modelo para todas as demais revoluções socialistas. E essa ditadura acabou resultando no totalitarismo stalinista.

Dentro do marxismo clássico - e também em Lenin -, a classe operária é portadora do universal, porque quando se emancipa, está emancipando o conjunto da sociedade. O problema é que Lenin não acredita na capacidade da classe operária para exercer o poder na fase inicial de construção do socialismo. Os trabalhadores, segundo Lenin, "não se desembaraçarão facilmente de seus preconceitos pequeno-burgueses", precisando ser "reeducados sobre a base da ditadura do proletariado". Este poder deveria ser exercido pela vanguarda da classe - já livre da ideologia burguesa -, isto é, pelo partido desta classe. Assim, a fórmula leninista da ditadura do proletariado acaba resultando na ditadura do partido do proletariado, pois os interesses históricos de partido e classe são os mesmos, com a diferença de que o conjunto da classe ainda não descobriu sua "missão histórica", a ser revelada pelo partido.

Neste ponto, é importante frisar, não houve um desvio do stalinismo em relação ao leninismo, mas sim sua continuidade, com todos os agravantes da personalidade autoritária de Stalin.

Mesmo apoiando a Revolução de Outubro, inclusive se solidarizando com os bolcheviques, a revolucionária marxista Rosa Luxemburgo não se deixou levar por uma visão acritica, beata e de sacristia sobre esse processo revolucionário. Rosa criticou esses desvios autoritarios promovidos pelos bolcheviques, no clássico "A Revolução Russa", escrito em 1918, alertando para as suas consequencias.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa") 

 

Rosa Luxemburgo deixou claro em "A Revolução Russa", que ditadura do proletariado não é a ausência de democracia, muito menos que seja obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora.

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. (...) Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. (...) esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa") 

 

Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." (Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI") 

O regime bolchevique foi pré-totalitario, pois preparou o verdadeiro totalitarismo dos grandes campos de trabalho forçado e do genocidio da era stalinista. Citando o filósofo marxista Ruy Fausto: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (Ruy Fausto; "Em Torno da Pré-História Intelectual do Totalitarismo Igualitarista")

Portanto não basta ser anti-stalinista, é preciso se opor ao leninismo. A esquerda precisa abandonar a herança autoritária do bolchevismo, resgatando o melhor do pensamento marxista na luta por um socialismo renovado.

Resgatar o melhor do marxismo não significa fazer uma leitura dogmatica do seu pensamento. O capitalismo se democratizou em virtude da luta heróica dos movimentos operários e populares, deixando de ser um mero "comitê executivo" da burguesia. E mais, o filósofo e revolucionário italiano Antonio Gramsci enriqueceu o pensamento marxista ao abordar a questão do consenso, o que permite o abandono das posições autoritárias do bolchevismo e a possibilidade de uma revolução socialista processual e essencialmente pacífica.

O cientista político Carlos Nelson Coutinho, grande nome do marxismo em nosso país, reconhece a necessidade de uma releitura do marxismo, sem o dogmatismo que caracteriza a esquerda socialista. Em entrevista publicada na revista Teoria e Debate nº 51, Coutinho respondeu a seguinte pergunta: "Há algo anacrônico na perspectiva expressa no Manifesto Comunista?" 
 

Carlos Nelson Coutinho: "Há duas coisas: as teorias do Estado e da revolução. A teoria do Estado como simplesmente o comitê executivo da burguesia, que se vale apenas da opressão como recurso de poder; e a idéia da revolução como uma guerra civil oculta que explode violentamente. Em 1848, a maior parte da Europa ainda estava sob o absolutismo; e, onde havia liberalismo, havia voto censitário, ou seja, os parlamentos eram eleitos apenas pelos proprietários. Era então correto dizer que o Estado não passava de um comitê executivo da burguesia. Mas, já na segunda parte do século XIX, começou a se dar uma socialização da política: o sufrágio tornou-se cada vez mais universal, foram criados partidos políticos de massa, os sindicatos puderam se organizar legalmente. No prefácio que escreveu em 1895 para a reedição de ' Luta de Classes na França' de Marx, Engels – no ano de sua morte – já revela ter se dado conta desta socialização da política e, portanto, da necessidade de rever os conceitos que ele e Marx haviam formulado por volta de 1848.

Mas foi Gramsci, em seus 'Cadernos do Cárcere', quem efetivamente elevou a conceito esta nova constelação histórica. Gramsci chama de "sociedade civil" as organizações que resultam desta socialização da política: sindicatos, partidos, associações em geral etc. E, em função disso, reelaborou a teoria marxista do Estado. Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. Ela é marxista porque continua dizendo que o Estado é, em última instância, ainda que não mais em primeira, um Estado de classe. Mas o modo pelo qual ele hoje é um Estado de classe é diferente. O Estado se tornou um Estado ampliado: é obrigado a levar em conta, enquanto momento da constituição das relações de poder na sociedade, os organismos da sociedade civil. A forma pela qual o Estado opera hoje não é mais só por meio da violência, mas também da persuasão e do consenso."

Um comentário:

  1. Deu mais voltas que taxista quando quer aumentar o preço da corrida ! NENHUM dos países socialistas conseguir completar a transição para o comunismo ! NENHUM! Em busca dessa tão sonhada "igualdade" , milhões de pessoas foram assassinadas na URSS e os cubanos gostam tanto do socialismo que fogem para Miami em barcos precários rumo ao capitalismo opressor e antidemocrático.

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